terça-feira, janeiro 11, 2005

Veríssimo

Já homenageei Drummond, Cecília, Chico, Fernando Pessoa.... Será que faltou alguém nesta lista?
Hoje dedico algumas linhas a Luís Fernando Veríssimo, filho de Érico. Gaúcho, torcedor do Internacional, petista.
Não considero os textos de Veríssimo literatura, propriamente dita. Entretanto tenho que reconhecer a qualidade do seu humor. Nisso o invejo!
O texto que vou postar hoje foi encontrado numa revista Veja de abril de 1989. Apear de velho, o conteúdo ainda parece muito atual.

PONTO DE VISTA

Avolumam-se, com suspeito sincronismo, as denúncias na imprensa sobre a prática do nepotismo entre os políticos brasileiros. Como um dos atingidos pela nefasta campanha, que visa a denegrir a imagem do servidor público no Brasil, a mando de interesses inconfessáveis, me senti no dever de responder publicamente às insidiosas insinuações, na certeza de que assim fazendo estarei defendendo não apenas minha honra __ apanágio maior de uma vida toda ela dedicada à causa pública e à tradição familiar que assimilei ainda no colo do meu saudoso pai quando ele era prefeito nomeado da nossa querida Queijadinha do Norte e eu era o seu secretário particular, depois da escola __ mas também honra de uma classe tão injustamente vilipendiada, a não ser quando pertence a outro partido, porque aí é merecido. A imprensa brasileira, em vez de cumprir seu legítimo papel numa sociedade democrática, que é o de dar a previsão do tempo e o resultado da Loteria, insiste em perscrutar as ações dos políticos, como se estes fossem criminosos comuns, não qualificados, e em difamá-los com mentiras. Ou, em casos de extrema irresponsabilidade e crueldade, com verdades. Outro dia, depois de ler uma reportagem em que um órgão da nossa grande imprensa me fazia acusações especialmente levianas, virei-me para meu chefe de gabinete e comentei: "Querida, por que eles fazem isto comigo?" Mas ela apenas resmungou alguma coisa, virou-se para o outro lado e continuou a dormir, obviamente perplexa. As hienas da imprensa não medem as conseqüências das suas infâmias. Tive que proibir aos meus filhos a leitura de jornais, para poupá-los. Como a função dos quatro no meu gabinete é unicamente a de ler jornais e eventualmente recortar algum cupom de desconto, o resultado é que passam o dia inteiro sem ter o que fazer e incomodando a avó, que serve o cafezinho. Não me surpreenderei se algum jornal publicar este fato como exemplo de ociosidade nos gabinetes governamentais à custa do contribuinte. O cinismo dessa gente é ilimitado.
Mas enganam-se as hienas se pensam que me intimidaram. Não viro a cara para meus acusadores, embora eles só mereçam desprezo, mas os enfrento com um olhar límpido como minha consciência e um leve sorriso no canto da boca. Minha vida como parlamentar é um livro-ponto aberto, imaculadamente branco. Como ministro, não tenho o que esconder. E, mesmo que tivesse, não haveria mais lugar nos bolsos. As acusações de nepotismo são tão fáceis de responder que até meu secretário de imprensa, o Gedeão, casado com a mana Das Mercês, e que é um bobalhão, poderia se encarregar disto. (.........................................)
Mas não vou dar aos meus difamadores a satisfação de reconhecer a pseudo-irregularidade. No meu caso, ela simplesmente não existe. "Nepotismo" vem do italiano "nepote", sobrinho, e se refere às vantagens usufruídas pelos sobrinhos do papa na Corte Papal, em Roma. Bastava ser sobrinho do papa para ter abertas todas as portas do poder, sem falar de bares e bordéis. "Sobrinho" não era um grau de parentesco, era uma profissão e uma bênção. A corte eclesiástica era dominada pelos "nepotes", e, neste caso, a corrupção era evidente. Qual o paralelo possível com o que acontece no Brasil hoje em dia? Só no fantasia de editores ressentidos, articulistas mal-intencionados e repórteres maldizentes as duas situações são comparáveis. Desafio qualquer órgão de imprensa a vasculhar meus escritórios, meus papéis, minha casa, meu staff, minha vida e encontrar um __ um único! __ sobrinho do papa entre meus colaboradores. Não há sequer um sobrenome polonês!
Exijo retratação.

Luís Fernando Veríssimo é pseudônimo
Veja, 12 de abril, 1989.