quinta-feira, janeiro 13, 2005

Menos conforto e mais conflito

Este texto é sobre a praga literária chamada auto-ajuda que se abateu sobre nós...

Agradecimento especial ao amigo Guirado, que auxiliou na escolha do título.


Sempre afirmei que seria capaz de escrever um livro de auto-ajuda – visando o lucro, obviamente - mas nunca teria coragem de ler um.
Não acho que os livros devem simplesmente confortar o leitor dizendo exatamente aquilo que ele deseja, anseia ou necessita ouvir. Livros, ao contrário disso, devem instigar o conflito das emoções humanas e expor as fraquezas e virtudes da espécie. Foi exatamente como agiram os principais escritores da literatura universal: Dostoievisky, Goethe, Kafka, Joyce.
Imagine cometer um crime com a finalidade de experimentar o sentimento de culpa; vislumbre um pacto entre um homem e um demônio; ou num belo dia acordar e ser preso sem ter conhecimento do que está sendo acusado; ou ainda, as 24 horas de um cidadão irlandês ser transformada numa epopéia. Estas idéias malucas e perturbadoras saíram das cabeças dos grandes gênios.
Literatura, propriamente dita, traz consigo enraízado o propósito de romper padrões, chocar, atacar, revolucionar... muito embora esta intenção possa não ser captada de imediato.
Outro fator que deveria incomodar os leitores de auto-ajuda é a vendagem exorbitante. A categoria vende milhões de cópias em todo o mundo enquanto escritores consagrados vendem alguns milhares. Cuidado com o consumo excessivo de lixo. Isso seria possível sem o apoio de uma indústria cultural? Se Adorno e Horkheimer ainda estivessem aqui poderiam responder.
A literatura não apenas sobrevive ao tempo, mas às vezes, necessita dele para ser entendida em sua plenitude. James Joyce, ao publicar Ulisses, afirmou que sua obra levaria mais de um século para ser compreendida. E até hoje, mais de cem anos depois, cada novo estudo realizado sobre o livro reserva uma nova descoberta.
Pode até soar contraditório, mas excluindo-se o que foi anteriormente dito, não vejo empecílios para o consumo de auto-ajuda, afinal, isso significa que as pessoas estão buscando alguma forma de leitura. Só repito um alerta que foi feito pelo escritor Luís Fernando Veríssimo em uma de suas crônicas: os livros de auto-ajuda estão ajudando a formar indivíduos cheios de si, egoístas a ponto de acharem que podem passar por cima de qualquer um para atingir seus objetivos. Se isso acontecesse então veríamos a necessidade de um novo gênero de consumo, os livros de "baixa auto-estima", para restabelecer o equilíbrio natural das coisas.