quarta-feira, março 30, 2005

Vozes

As vozes do texto


Que voz você ouve quando lê um texto? Eu ouço a voz do autor, quando o conheço.
Pensei sobre isso em três ocasiões da minha vida. A primeira foi há alguns anos, enquanto lia um tratado escrito por um índio americano, um apache, que versava sobre ecologia e sobre os direitos que aqueles habitantes possuíam naquele chão que era sumariamente invadido por europeus. Lia o discurso e ouvia a voz de um índio grandalhão e beiçudo, a figura caricata que algum gibi, ou filme, ou série enfiou na minha cabeça. As palavras eram proferidas pausadamente – tal qual um locutor com dificuldades no idioma. O som grave ecoava na minha mente. Até trocar, de forma pejorativa, o pronome “eu” por “mim” eu fazia, inconscientemente.
A segunda vez em que pensei sobre o som que meu cérebro produz quando leio foi ontem. Estava checando a contracapa de um livro que reúne crônicas de Perseu Abramo quando as palavras começaram a confessar que o jornalista em questão fora fundamental para a criação do PT. Observei a assinatura no final. Era o Lula. Pronto! O texto ficou sibilante. É sempre assim quando leio uma entrevista do nosso ilustríssimo presidente.
O último e decisivo insight acerca da voz do texto ocorreu há aproximadamente cinco minutos, durante visita a página eletrônica de uma amiga. Eu não só apenas podia ouvir identificar o timbre do seu jeito de falar, como também conseguia imaginar as expressões de seu rosto ao proferir cada palavra.
É. Está provado. Você ouve o texto lido quando conhece o autor. Mas essa divagação toda me trouxe nova dúvida, e conseqüentemente, nova angústia. E as palavras sem pai nem mãe, que som tem?

quinta-feira, março 24, 2005

Águas de março


Tom Posted by Hello

É pau, é pedra, é o fim do caminho... Toda essa chuvarada, somado às condições da minha – sempre tem gente construindo ou reformando perto de casa – me fez lembrar “Águas de março”, do Tom Jobim. Reza a lenda, inclusive, que ele teve a idéia de compor a canção assim mesmo: a casa reformando, o céu desabando, impedindo o andamento das obras, olha daqui, olha de lá, e pimba!
Ainda bem que o Tom compôs a música. Eu não possuo envergadura intelecto-criativa-psicocultural para executar missão semelhante.
Ademais, no atual momento de crise existencial, que dia sim, dia não me assola – quem me conhece sabe que melancolia é inerente a minha personalidade – não conseguiria ver a chuva como algo que purifica, renova.
Certamente me entreteria com os raios e trovões, símbolos da tempestade amedrontadora e também com a força das águas: dá a vida e a destrói. Leva embora e nunca mais traz de volta.
Tanto ressentimento (na verdade, nem é bem isso), me ressabia, me envergonha. Eu acreditei na falsa esperança da purificação e me senti ainda mais suja. Mas eu de nada sei. Quem sabe das coisas é o Tom! “São as águas de março fechando o verão. É promessa de vida no seu coração”.

sábado, março 19, 2005

Clássico


camisa Posted by Hello

"Nem tudo que se diz se faz"


O clássico de amanhã entre Palmeiras e Corinthians pode parecer uma besteira para uns, já para outros, é caso de manutenção da honra. Eu integro o segundo grupo.
Por isso estou estudando a minha reação – até um possível crime – caso o time vencedor seja o clube do Parque São Jorge ao invés do Palestra Itália. Vejamos três possibilidades para domingo à tarde:
Possibilidade 1: o Palmeiras ganha dos galáticos, com placar amplo, 3X0. Gols de Pedrinho, Osmar e Lúcio (o ponta esquerda vai jogar tão inspirado como jogou contra o Santos, no último clássico). Tevez, mais uma vez, se vê completamente perdido em campo. Um dos gols será por falha do zagueiro argentino Sebá, uma das estrelas do time. Tal fato contribuirá para a nova crise que vai se instaurar no Corinthians. Depois do jogo, saio para comemorar, beber uma cervejinha, e aproveito para tirar sarro em algum adversário que porventura cruze o meu caminho.
Possibilidade 2: o Palmeiras, cumprindo o que se espera daquele time medíocre - porque sou torcedora mas não sou cega – não joga nada e perde feio. Os argentinos dão um show. O Gil marca gol de fora da área (aí também já é pedir demais, mesmo numa situação hipotética). Eu não saio de casa durante uma semana, aproveitando que não tenho aula por ser Semana Santa, não atendo o telefone. Esqueçam que eu existo por um tempo!
Possibilidade 3: Independente do placar eu enfrento a torcida do Corinthians. Começo imediatamente organizando um dossiê com as derrotas mais vexamosas, detalhes escabrosos sobre a suspeita parceria com a MSI, lembro que o time nunca ganhou Copa Libertadores nem qualquer outro torneio internacional... Na euforia, eles nem vão lembrar de dados ofensivos contra nós.
Poderia ainda elencar a possibilidade 4, que seria a garantia de que as possibilidades 2 e 3 não aconteçam: sequestramos a Adriane Galisteu e ameaçamos cortar o cabelo dela se o Róger não entregar o jogo!!!

quarta-feira, março 09, 2005

Epitáfio


epitáfio Posted by Hello

Acabo de decidir uma coisa muito importante para o meu futuro... achei o epitáfio perfeito!!! Parece lúgubre e macabro, mas é verdade. Quando eu morrer gostaria muito de ver o poema "Mulher ao Espelho", da Cecília Meireles, decorando a lápide da minha sepultura.

Mulher ao Espelho


Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira,
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

Que tal? Gostaria ainda que constassem os seguintes dizeres: "escritora de vanguarda, boêmia de carteirinha, pessoa de senso de humor incomparável e inveterada torcedora do Palmeiras". Esta é minha última vontade.

terça-feira, março 08, 2005

8 de março - dia da escrava moderna


Pagu Posted by Hello


Na foto, Patrícia Galvão, a maravilhosa Pagu.

"Nem toda feiticeira é concurda,
nem toda brasileira é bunda,
meu peito não é de silicone,
sou mais macho que muito homem"


Rita Lee e Zélia Duncan

Nem me venha com esse papinho de parabéns... 8 de março foi o dia que os homens inventaram pra lembrar que as mulheres sempre foram subjulgadas, subestimadas, exploradas... e pior, a sociedade toda age como se houvesse o que comemorar, como se a era da escravidão feminina tivesse terminado com a morte daquelas ativistas numa data histórica. Ah, se elas soubessem que morreram em vão.
As mulheres não só não se livraram da exploração, como passaram a viver um contexto de escravidão muito mais cruel, porque vem camuflado de liberdade. É vendido pela mídia como o manual da mulher moderna: bela, dinâmica, inteligente.
A nova mulher deve trabalhar, ajudar o companheiro a garantir o sustento da casa e dos filhos, igualdade pela qual tanto brigou. Tem direito a melhor remuneração, em tese, porque na prática nós ainda recebemos 30% menos, em média, para a realização das mesmas tarefas.
Mas a mulher do terceiro milênio ainda tem a sensibilidade das mulheres de outrora. Dinâmica e inteligente (este último conceito teve seu emprego um tanto modificado, até uma "loira do tchan" pode ser considerada inteligente!), dedica um tempo à atividades que suas avós no passado realizavam como bordar, pintar, crochetar, tricotar, costurar... E claro, que pode participar da realização das tarefas domésticas, como cozinhar, lavar e passar, não por obrigação, mas pelo prazer, pela supremacia e status que são reservados às donas de casa.
A mulher perfeita que acaba de surgir ainda arruma tempo para os filhos, visto que o papel da mãe não pode ficar a cargo de figurantes. Nas horas vagas, ela dedica-se à leitura (Marie Claire, Nova e outras do gênero) e à prática de exercícios – mente sã em corpo são – assim o marido pode mostrar a todos que além de linda, a esposa é inteligentíssima!
Por último, a nova e liberta mulher, dona suprema de suas vontades, tem que ser boa de cama. Estar sempre disposta a aventuras para agradar o parceiro, ou corre o sério risco de ser trocada por uma candidata que preencha melhor os tais requisitos.
Viva a mulher do século XXI!!!

sábado, março 05, 2005

Ai meu Deus, mixaram o Chico!


chico Posted by Hello


FRANCISCO BUARQUE DE HOLANDA. SE EU CRUZO COM ELE, JURO QUE TENHO UM ATAQUE HISTÉRICO!

Eu acho que estas questões deveriam ser resolvidas à bala, como era feito na época em que não havia leis. O compositor ou os donos dos direitos autorais liberam a regravação de uma música, se for feito algo inominável de tão medonho com a peça original, o sujeito deveria ser morto. Não entenderam? O eu tô querendo dizer é “morte a quem mixou o Chico”!
Mixaram ou remixaram, sei lá como se diz, a música Roda Viva do Chico Buarque. Abominável. Virou Roda Morta. Juntaram a voz dele com a de outra mulher, colocaram uma batida eletrônica rápida, diferente da original, e tão tentando transformar em hit. Assassinaram a canção! Tô indignada!
Roda Viva, música e peça de Teatro (muito recomendável, conta a história de um ícone pop, mitificado tal qual um Cristo), foram escritas em 1967 e marcam o amadurecimento do Chico. A letra fala da repressão sem perder o lirismo - “tem dias que a gente se sente/ como quem partiu ou morreu”... – o que era uma espécie de artifício para fugir da censura.
Porém, o crime é hediondo porque destrói o efeito da melodia idealizado na partitura original. Abaixo, para quem se interessar, uma descrição técnica de como Chico juntou ritmo e melodia a fim de passar a sensação de uma roda em movimento, uma explicação simplista de minha parte, porque na verdade, a música contem elementos que denotam profundidade de sentimentos e idéias maior.
Moral da história: uma das melhores músicas do Chico, que descreve um dos momentos cruciais da história do Brasil (época em que gente morria por acreditar nos ideais da canção), foi totalmente ignorado e deturpado ao cair nas mãos de um DJ sem sensibilidade e sem repertório. Imagine pessoas dançando Roda Viva numa Rave... MORTE AOS ASSASSINOS!!!



Roda Viva

Os primeiros compassos (1-4) são parte introdutória da música. A melodia (sucessão dos sons relacionais entre si) e o ritmo (movimento de regulação dos sons pelo grau de duração) combinados nos levam a um sentido expressivo musical. A harmonia (execução de vários sons simultaneamente) está nas entrelinhas da melodia e do ritmo.
Encontramos a música no modo menor (si menor), que significa auditivamente caráter mais triste que o modo maior. Tais elementos advêm do conjunto de sons ligados à tônica (nota primeira, principal de uma sucessão de 8 sons conjuntos) dando o tom de uma exata.
Trabalhando letra e música a partir dos compassos 5 a 29, as notas passam a configurar também, com mais profundidade, o tema político-musical no contexto de Roda Viva.
Figuras como a síncope estão presentes durante toda a música; sua função é fazer com que a nota executada em tempo fraco seja prolongada à parte forte do tempo seguinte. Como se para a letra fosse o girar da roda, a sensação de desequilíbrio diante do momento político social infiltra-se nessa canção.
Intervalos (diferença de altura entre dois sons) reforçam esta característica; ao término dos compassos 6 a 7, 10 a 11, 12 a13, 14 a 15, 16 a 17, 18 a 19, da penúltima nota à primeira do próximo compasso o intervalo é descendente, simbolizando a parada da roda; uma curiosidade que deve ser levada em consideração são as notas musicais repetidas (compassos 1-2): sentido de repressão do compositor na melodia. Existe então proximidade restrita em notas (ex: compasso 25) representando os elos da corrente energética que impulsiona a roda).
O ritmo 2/4, binário, convenciona as figuras à um espaço com valores determinados o que se dá o nome de tempo, sendo que o primeiro tipo de compasso denota mais rapidez no desenvolvimento melódico que os outros tipos existentes. Não seria a decodificação viva da roda?

terça-feira, março 01, 2005

Viva a invasão estadunidense!


invasão Posted by Hello

"Não vai dar
assim não vai dar
Como é que eu vou crescer
sem ter com quem me revoltar?"

Continuando a minha empreitada "curando patologias de mentes perturbadas e ociosas", formulei um novo plano para movimentar o cenário de guerrilheiros desempregados, artistas no ostracismo e intelectuais sem perspectiva.
Se a atual direita não for competente para tomar o poder à força, e, diante da impossibilidade de ressuscitarmos a Arena, o que podemos fazer é facilitar a invasão estadunidense.
O plano é o seguinte: primeiro, conferimos importância econômica ao Brasil, lançando boatos sobre descobertas de novas jazidas de petróleo, que colocam o país entre os principais produtores do mundo.
Infelizmente, a primeira etapa tem que ser baseada numa mentira, visto que, ainda levará alguns anos para que as riquezas naturais brasileiras valorizem a ponto de merecer uma invasão. Por enquanto, o grande motivador é o "ouro negro".
Na segunda etapa do plano temos que tornar o Brasil uma ameça em potencial. Vamos produzir armas biológicas de destruição em massa. Como o orçamento é precário, teremos que fazer isso em casa mesmo. Requisitamos o auxílio de todos que puderem e desejarem participar.
É muito simples. Basta todo mundo contribuir para a proliferação do mosquito da dengue, deixando muita água parada e acumulando lixo no quintal. Se cada um fizer sua parte, em breve representaremos uma verdadeira ameaça à paz mundial.
Quando os gringos chegarem nós estaremos prontos para a batalha, quer dizer, resistência, munidos de foices, enxadas, facões, estilingues. Contaremos com adesão do Movimento Sem Terra, que gentilmente, nos abrigarão em seus acampamentos. O nosso treinamento terrorista pode ficar a cargo dos detentos da Febem.
Todos ficarão felizes. O Bush Jr., que terá outra guerra, e os políticos brasileiros, que poderão deitar e rolar enquanto o povo se preocupa com o ataque. Haverá ação para aqueles que andam meio desocupados. Os intelectuais e jornalistas matarão saudades do tempo da repressão, e os escritores e compositores verão o ressurgimento da arte.

VIVA A INVASÃO!